Atualizado pela última vez em agosto 14, 2024 por Ecologica Vida
Flutuar como uma borboleta, farejar o cancro como uma abelha.
Um novo estudo decidiu explorar o excelente sentido de olfato das abelhas para descobrir se poderiam detetar o cancro do pulmão. Acontece que as abelhas conseguem detetar em laboratório os odores subtis do cancro do pulmão. O odor ténue de uma doença pode mesmo ser detectado no hálito de um doente. Neste artigo, vamos explorar a ciência por detrás desta descoberta e as suas implicações.
Índice
A ciência por detrás da descoberta
Antecedentes das capacidades sensoriais das abelhas
As abelhas são conhecidas pelo seu extraordinário sentido de olfato, que lhes permite detetar e diferenciar uma grande variedade de odores em concentrações incrivelmente baixas. Esta capacidade é vital para a sua sobrevivência, ajudando-as a localizar flores, a comunicar com outras abelhas e a navegar no seu ambiente.
O hálito humano contém biomarcadores (odorantes) que podem ser utilizados para a deteção precoce de doenças. O sistema olfativo da abelha, alojado principalmente nas suas antenas, é tão sensível que consegue detetar moléculas odoríferas em concentrações tão baixas como partes por bilião ou partes por trilião. Esta precisão despertou o interesse da comunidade científica, levando à investigação sobre a forma como as capacidades olfactivas das abelhas podem ser utilizadas para detetar compostos específicos associados a doenças humanas, como o cancro do pulmão.
A experiência
Num estudo inovador, os investigadores exploraram o potencial da utilização do circuito neuronal olfativo das abelhas para detetar biomarcadores no hálito humano. O hálito humano contém compostos orgânicos voláteis (COV), que servem de biomarcadores para várias doenças, incluindo o cancro do pulmão.
Os cientistas ligaram os cérebros de abelhas vivas a eléctrodos e passaram-lhes diferentes aromas sob as suas antenas, registando os seus sinais cerebrais.
"É muito claro - como o dia e a noite - se [uma abelha] está a responder a um sinal químico ou não"
Dabajit Saha, engenheiro neuronal na Universidade do Estado do Michigan, em East Lansing.
As abelhas foram mantidas no lugar com arneses de plástico impressos em 3D e um pouco de cera, enquanto os investigadores efectuavam uma cirurgia ao cérebro das abelhas, ligando fios à região que processa os odores. Em seguida, um dispositivo enviava sopros de ar para as antenas dos insectos.
Cada baforada podia conter uma mistura de odores misturados, como os exalados por pessoas saudáveis. Outra mistura imitava o hálito de doentes com cancro do pulmão, que contém odores distintos que o nariz humano não consegue detetar. Utilizando sinais eléctricos lidos a partir do cérebro das abelhas, os investigadores conseguiram distinguir os dois tipos de hálito sintético em pelo menos 93% das vezes.
Numa experiência separada, a equipa de Saha recolheu ar que pairava sobre células pulmonares cultivadas em laboratório. As abelhas conseguiram distinguir entre as amostras de ar recolhidas perto de células saudáveis e as recolhidas perto de células de dois tipos de cancro: cancro do pulmão de células pequenas e cancro do pulmão de células não pequenas.
A equipa de Saha espera utilizar o sensor olfativo das abelhas para testar o hálito de doentes com cancro. A maior fraqueza do dispositivo, diz ele, é o facto de durar apenas algumas horas antes de a saúde do cérebro das abelhas se deteriorar e as respostas se tornarem instáveis. Mas funciona rapidamente e apresenta resultados em tempo real. Com apenas um cérebro de abelha, diz Saha, a sua equipa poderia, teoricamente, testar mais de 100 amostras.
Implicações para os diagnósticos médicos
O cancro do pulmão é uma das formas de cancro mais mortíferas em todo o mundo, em grande parte devido à dificuldade de o detetar nas suas fases iniciais (isto deve-se em parte ao facto de o cancro do pulmão ter sido, até há pouco tempo, uma das formas de cancro menos financiadas e, por conseguinte, menos investigadas). Os métodos de diagnóstico actuais, como a tomografia computadorizada de baixa dose e as biópsias de tecidos, são eficazes, mas têm várias limitações. Estes procedimentos podem ser invasivos, dispendiosos e, muitas vezes, só são utilizados após o aparecimento dos sintomas, o que pode ser demasiado tarde para um tratamento eficaz.
A descoberta de que as abelhas podem detetar biomarcadores do cancro do pulmão através do seu sistema olfativo representa uma abordagem revolucionária ao diagnóstico do cancro do pulmão. Ao contrário dos métodos existentes, que dependem de imagiologia ou de amostragem invasiva, a deteção baseada em abelhas oferece uma alternativa não invasiva que pode ser realizada numa fase muito mais precoce. Este método poderá conduzir a intervenções mais atempadas, melhorando significativamente os resultados dos doentes.
Desafios e considerações
Embora os potenciais benefícios dos diagnósticos baseados em abelhas sejam significativos, a integração deste método na prática médica corrente apresenta desafios. Uma das principais preocupações é a escalabilidade - como podemos gerir de forma fiável as abelhas em grande escala para detetar de forma consistente o cancro do pulmão? O desenvolvimento de protocolos normalizados e a garantia de resultados consistentes em diferentes contextos exigirão um planeamento cuidadoso. Além disso, temos de considerar as implicações éticas da utilização de seres vivos em diagnósticos médicos, incluindo o impacto nas populações de abelhas e a responsabilidade de cuidar destes insectos vitais.
Idealmente, poderíamos aprender como as abelhas o fazem e desenvolver máquinas que pudessem imitar as suas capacidades olfactivas. Infelizmente, ainda não temos nada com esse tipo de resolução.
As abelhas e os produtos químicos da Forever
Outras experiências da equipa de Saha mostraram também que as capacidades olfactivas das abelhas se estendem a outros odores vestigiais, como os emitidos por substâncias perfluoroalquílicas e polifluoroalquílicas, vulgarmente conhecidas por PFAS, ou produtos químicos da forever. "Isso surpreendeu-me", diz ele. "Os PFAS no ambiente são muito, muito difíceis de detetar".
O que são PFAS?
Os PFAS são um grupo de químicos sintéticos que têm sido utilizados numa vasta gama de aplicações industriais e produtos de consumo desde a década de 1940. Encontram-se normalmente em utensílios de cozinha antiaderentes, vestuário que repele a água, tecidos e tapetes resistentes a nódoas, espumas de combate a incêndios e muitos outros produtos que resistem à gordura, à água e ao óleo. Embora a sua durabilidade os torne úteis nestas aplicações, também significa que não se decompõem facilmente, levando a uma contaminação ambiental generalizada.
Ao longo dos anos, os PFAS foram detectados nas reservas de água, no solo, no ar e até no sangue de seres humanos e animais. Esta contaminação generalizada é preocupante porque a exposição a certos PFAS tem sido associada a efeitos adversos para a saúde, incluindo cancro, danos no fígado, disfunção do sistema imunitário e problemas de desenvolvimento nas crianças.
Um guia para os produtos químicos Forever (PFAS).
As implicações
Esta nova descoberta da equipa de Saha é importante porque abre novas possibilidades de monitorização ambiental e de proteção da saúde pública. Os métodos tradicionais de deteção de PFAS no ambiente exigem frequentemente equipamento sofisticado e dispendioso e procedimentos morosos. Em contrapartida, a utilização de abelhas como sensores biológicos pode constituir um método mais eficiente, económico e potencialmente portátil de deteção destas substâncias perigosas em tempo real.
Naturalmente, as questões éticas acima mencionadas também se aplicam aqui; queremos ter a certeza de que não afectamos negativamente esta espécie vital mais do que já o fizemos. Temos de garantir que os nossos esforços para proteger o ambiente se estendem ao cuidado destes insectos vitais e das suas populações, e procurar ser ambientalmente responsáveis em todas as frentes, e não apenas numa.
Os abelhões não passam no teste de visão a cores devido a um pesticida comum.
Conclusão
Mais uma vez, a natureza está a provar que é muito inteligente. A natureza fornece aquilo que nós apenas conseguimos imitar artificialmente. Esta descoberta é mais uma chamada de atenção para a necessidade de trabalhar em harmonia com a natureza, utilizando a nossa inteligência para compreender e aproveitar as suas capacidades.
O cancro do pulmão continua a ser uma das formas mais mortíferas de cancro devido à falta de capacidade de o detetar. As abelhas deram-nos uma pista de como isso pode ser feito. Agora, se conseguirmos descobrir como aumentar a escala desta técnica não invasiva, poderemos potencialmente utilizá-la para detetar toda uma série de doenças e até poluentes ambientais.